Exposição Ocupacional em Raio X Veterinário: o Risco Silencioso que Ameaça Plantonistas e Auxiliares

 

⚠️ Exposição Ocupacional em Raio X Veterinário: Um Risco Silencioso nas Clínicas e Hospitais

O uso de radiografias é uma ferramenta essencial no diagnóstico veterinário, permitindo identificar fraturas, alterações pulmonares, problemas abdominais e diversas outras condições clínicas.
No entanto, por trás da praticidade dos exames de raio X, existe um risco silencioso e crescente que muitos profissionais da área ainda ignoram: a exposição à radiação ionizante durante a realização das radiografias.


💀 Risco real: quem está operando os aparelhos?

Em grande parte das clínicas e hospitais veterinários, o médico-veterinário plantonista — e até mesmo o auxiliar de veterinária — acabam sendo obrigados a realizar exames radiográficos sem possuir formação específica em radiologia.
Esses profissionais muitas vezes precisam operar o equipamento, posicionar o animal e realizar contenção manual durante a emissão dos raios X, tudo isso sem a proteção adequada.

Essa prática é perigosa. A radiação ionizante possui efeito cumulativo no organismo e pode, com o tempo, provocar lesões celulares, alterações genéticas, problemas hematológicos, infertilidade e até neoplasias.
Mesmo exposições pequenas e repetidas, sem o uso correto de proteção, acumulam-se ao longo dos anos, trazendo consequências graves à saúde.




🧍‍♂️ O agravante: profissionais sem treinamento técnico

A legislação brasileira determina que apenas profissionais capacitados em radioproteção podem operar equipamentos radiológicos.
Porém, na rotina prática, o que se vê é o oposto:

  • Veterinários plantonistas, sob pressão de tempo e hierarquia;

  • Auxiliares de veterinária, frequentemente sem formação técnica;

  • Ambientes improvisados, sem blindagem adequada;

  • Falta de EPIs como avental plumbífero, protetor de tireoide, luvas e óculos de chumbo;

  • Ausência de dosímetro pessoal para monitorar a exposição.

Tudo isso representa um cenário de risco ocupacional severo, muitas vezes invisível dentro da rotina hospitalar.


📲 A nova tendência: laudos a distância e aumento da exposição

Com a popularização das radiografias digitais, o processo de diagnóstico se modernizou. Hoje, as imagens são capturadas localmente e enviadas para radiologistas veterinários especializados que emitem o laudo a distância (telelaudo).

Essa prática é útil e agiliza o atendimento, mas trouxe um efeito colateral preocupante:
Como os laudos são terceirizados e o radiologista raramente está presente, a manipulação direta dos aparelhos — incluindo a contenção dos animais — fica a cargo de profissionais não especializados.

Ou seja:
👉 quem fica mais exposto à radiação não é o especialista que interpreta o exame, mas sim o veterinário plantonista e o auxiliar que estão na linha de frente da emissão da imagem.


🛡️ O que diz a legislação

A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e o Ministério da Saúde (Portaria nº 453/1998) determinam que:

  • É obrigatório o uso de EPIs de chumbo em todos os envolvidos durante o exame;

  • A contenção manual deve ser excepcional e devidamente registrada;

  • Todos os operadores devem ter treinamento em radioproteção;

  • Deve haver blindagem física adequada e dosimetria individual.

O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) reforça que a responsabilidade pela segurança radiológica é compartilhada entre o empregador e o profissional, e que ninguém deve ser obrigado a realizar exames em condições inseguras.


⚠️ Um alerta à categoria

Com a digitalização dos laudos e a rotina acelerada dos plantões, o risco de exposição inadvertida à radiação está aumentando silenciosamente.
Veterinários e auxiliares, muitas vezes sem o devido treinamento, continuam sendo os mais expostos — e essa exposição crônica pode gerar impactos irreversíveis à saúde.

É fundamental que as clínicas e hospitais veterinários cumpram as normas de radioproteção, fornecendo equipamentos, treinamento e supervisão técnica adequada.
A prática de exames radiográficos deve ser segura, consciente e regulamentada, protegendo não apenas os animais, mas também aqueles que dedicam suas vidas a cuidar deles.


📍 Dr. Roque Antônio de Almeida Júnior
Médico-Veterinário — CRMV-SP 23098
Consultas Domiciliares e Cuidados Preventivos
📍 Mogi das Cruzes e Região
🌐 www.doutordosanimais.com.br



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Infecções Bacterianas da Pele em Cães e Gatos (Piodermites): Causas, Diagnóstico e Tratamento

 


Infecções Bacterianas da Pele (Piodermites) em Cães e Gatos: Revisão Atualizada

Autor: Dr. Roque Antônio de Almeida Júnior, Médico-Veterinário – CRMV-SP 23098
Atendimento Veterinário Domiciliar – Mogi das Cruzes e Região


Resumo

As piodermites são infecções bacterianas cutâneas comuns na rotina clínica de cães e gatos, representando uma das principais causas de prurido e inflamação de pele. Normalmente secundárias a doenças subjacentes, como alergias, endocrinopatias ou parasitoses, elas exigem diagnóstico preciso e manejo terapêutico racional. Este artigo revisa os principais aspectos etiológicos, clínicos, diagnósticos e terapêuticos das piodermites, com ênfase em práticas seguras de tratamento e prevenção, sobretudo no contexto da clínica veterinária domiciliar.




1. Introdução

A pele é o maior órgão do corpo e atua como barreira física, química e imunológica contra agentes externos. Quando essa barreira é rompida, ocorre a proliferação bacteriana oportunista, originando quadros infecciosos conhecidos como piodermites.

Essas infecções são responsáveis por grande parte dos atendimentos dermatológicos em cães, e embora menos frequentes em gatos, também podem ocorrer. As piodermites raramente são primárias; em geral, resultam de condições subjacentes que alteram a defesa cutânea, permitindo o crescimento bacteriano anormal.


2. Classificação das Piodermites

As piodermites são classificadas conforme a profundidade da infecção e os tecidos acometidos:

  • Piodermite de superfície: afeta apenas a camada superficial da pele, como na dermatite piotraumática (“hot spot”) e intertrigo (infecção de dobras cutâneas).

  • Piodermite superficial: envolve a epiderme e os folículos pilosos, como na foliculite bacteriana e impetigo.

  • Piodermite profunda: atinge derme e tecido subcutâneo, podendo gerar furunculose e celulite.

A distinção entre essas formas é essencial para o prognóstico e para a escolha terapêutica adequada.


3. Etiologia e Patogênese

O principal agente envolvido nas piodermites caninas é o Staphylococcus pseudintermedius, bactéria Gram-positiva comensal da pele e mucosas. Em condições normais, esse microrganismo não causa doença, mas diante de fatores predisponentes — como umidade, lambedura excessiva, alergias ou imunossupressão — torna-se patogênico.

Outras bactérias, como Pseudomonas, Proteus e Enterobacter, podem estar envolvidas em infecções mais profundas ou em casos de resistência antimicrobiana.

O desequilíbrio da microbiota cutânea, aliado à inflamação e à perda da função de barreira, resulta em proliferação bacteriana, destruição folicular e formação de pústulas e crostas características.


4. Fatores Predisponentes

Entre os principais fatores que favorecem o surgimento de piodermites estão:

  • Alergias cutâneas: como dermatite atópica, hipersensibilidade alimentar e alergia à picada de pulga;

  • Doenças endócrinas: hipotireoidismo e síndrome de Cushing;

  • Ectoparasitoses: pulgas, ácaros e carrapatos;

  • Traumas e lambedura crônica: ruptura da barreira cutânea;

  • Dobras cutâneas e obesidade: especialmente em raças braquicefálicas;

  • Uso inadequado de antibióticos: contribuindo para resistência bacteriana.

A identificação desses fatores é fundamental para o controle definitivo da doença e prevenção de recidivas.


5. Sinais Clínicos

Os sinais variam conforme a profundidade da infecção. Em piodermites superficiais, observam-se:

  • Eritema (vermelhidão);

  • Pápulas e pústulas;

  • Colarinhos epidérmicos (lesões circulares com crosta central);

  • Alopecia localizada;

  • Prurido (coceira intensa).

Nas piodermites profundas, há:

  • Nódulos e abscessos;

  • Fístulas com drenagem de pus;

  • Dor, edema e crostas espessas;

  • Febre e apatia em casos graves.

A distribuição das lesões (face, abdômen, espaços interdigitais, base da cauda, dobras) auxilia no diagnóstico clínico.


6. Diagnóstico

O diagnóstico baseia-se na associação de anamnese, exame clínico e exames complementares, como:

  • Citologia cutânea: demonstra presença de cocos fagocitados por neutrófilos;

  • Cultura e antibiograma: indicados em infecções recorrentes, falhas terapêuticas ou suspeita de resistência;

  • Raspado de pele e lâmpada de Wood: para descartar parasitos e dermatofitos;

  • Exames hormonais: quando se suspeita de doenças endócrinas associadas.

O diagnóstico diferencial deve incluir dermatofitoses, demodicose, dermatite alérgica e infecções fúngicas secundárias.


7. Tratamento

O tratamento deve sempre envolver duas etapas fundamentais: o controle da infecção e o tratamento da causa primária.

7.1 Terapia tópica

Indispensável em piodermites superficiais.
Banhos com xampus à base de clorexidina, peróxido de benzoíla ou mupirocina ajudam a reduzir a carga bacteriana, remover crostas e aliviar o prurido.
O tratamento tópico pode ser suficiente em casos leves.

7.2 Antibióticos sistêmicos

Indicados em infecções profundas ou extensas.
As opções mais utilizadas incluem cefalexina, amoxicilina com clavulanato e clindamicina, respeitando sempre o resultado do antibiograma.
O tempo mínimo de tratamento é de 3 a 4 semanas (ou até 7 semanas em casos profundos).

7.3 Manejo do ambiente e da pele

Manter a pele limpa e seca, controlar ectoparasitas, evitar banhos excessivos e orientar o tutor sobre higiene e prevenção.
Nos casos de alergias, o controle rigoroso da doença de base é imprescindível para evitar recidivas.

7.4 Resistência bacteriana

A resistência antimicrobiana, especialmente de Staphylococcus pseudintermedius resistentes à meticilina (MRSP), é um desafio crescente na medicina veterinária.
O uso racional de antibióticos, aliado ao tratamento tópico adequado, é a melhor forma de prevenir a seleção de cepas resistentes.


8. Prognóstico

O prognóstico das piodermites superficiais é geralmente favorável quando a causa primária é controlada e o tratamento é seguido corretamente.
Já as piodermites profundas e recorrentes exigem acompanhamento prolongado e podem apresentar recidivas se a doença de base não for resolvida.
A resposta clínica deve ser avaliada a cada 7 a 10 dias.


9. Considerações no Atendimento Domiciliar

No atendimento domiciliar, é fundamental observar:

  • Higiene do ambiente e objetos do animal;

  • Controle de parasitas e umidade;

  • Orientação detalhada ao tutor sobre aplicação de terapias tópicas;

  • Registro fotográfico das lesões para acompanhamento clínico;

  • Reforço da importância do retorno e da continuidade do tratamento.

Essas práticas melhoram o resultado terapêutico, aumentam a adesão do tutor e reduzem a necessidade de antibióticos sistêmicos.


10. Conclusão

As infecções bacterianas da pele são condições multifatoriais que requerem diagnóstico cuidadoso e abordagem integrada.
O tratamento eficaz depende da identificação da causa subjacente, do uso responsável de antimicrobianos e da educação do tutor.
No contexto da medicina veterinária domiciliar, a prevenção, o acompanhamento individualizado e o manejo ambiental são as ferramentas mais eficazes para garantir o sucesso terapêutico e o bem-estar do animal.


Referências Bibliográficas

  • Larsson, C. E.; Henriques, D. A. Dermatologia Veterinária – Piodermites em Pequenos Animais.

  • Guaguère, E.; Prélaud, P. Clinical Dermatology of Dogs and Cats.

  • Miller, W. H.; Griffin, C. E.; Campbell, K. L. Muller & Kirk's Small Animal Dermatology.

  • Scott, D. W.; Miller, W. H.; Griffin, C. E. Small Animal Dermatology – 7ª ed.

  • Nuttall, T. et al. Guidelines for Antimicrobial Use in Dogs and Cats – ISCAID, 2021.



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🩺 Understanding Acute Kidney Injury in Dogs and Cats: A Silent Threat

🩺 Understanding Acute Kidney Injury in Dogs and Cats: A Silent Threat

By Dr. Roque Antônio de Almeida Júnior, DVM – CRMV-SP 23098
Mogi das Cruzes, Brazil | www.doutordosanimais.com.br


Introduction

Acute Kidney Injury (AKI), also known as acute renal failure, is a sudden decline in kidney function that leads to the accumulation of toxins, metabolic waste, and disturbances in fluid and electrolyte balance.
It is a medical emergency in both dogs and cats, and early recognition can make the difference between complete recovery and irreversible renal damage.

While the clinical presentation may seem nonspecific, understanding the underlying causes and pathophysiological mechanisms is essential for accurate diagnosis and effective treatment.





Pathophysiology of Acute Kidney Injury

The kidneys are vital for maintaining internal balance — filtering blood, excreting waste, regulating electrolytes, and producing hormones such as erythropoietin.
When renal blood flow or tissue integrity is compromised, the nephron (the kidney’s functional unit) begins to fail, leading to decreased glomerular filtration rate (GFR) and tubular dysfunction.

The mechanisms of AKI are often categorized into three main types:

  1. Ischemic AKI – Caused by reduced renal perfusion, often secondary to hypovolemia, dehydration, shock, or anesthesia-related hypotension.

  2. Toxic AKI – Resulting from exposure to nephrotoxic agents such as ethylene glycol, aminoglycosides, NSAIDs, or certain plants.

  3. Infectious AKI – Caused by pathogens like Leptospira spp., which directly damage renal tissue and impair filtration.

In many clinical cases, these mechanisms may overlap, making diagnosis and management more challenging.


Clinical Signs and Diagnosis

The clinical signs of AKI in dogs and cats are often subtle at first.
Common manifestations include:

  • Lethargy and weakness

  • Vomiting and anorexia

  • Dehydration

  • Oliguria (reduced urine output) or anuria (no urine output)

  • Halitosis and oral ulcers (due to uremia)

Laboratory findings typically reveal azotemia (elevated BUN and creatinine), electrolyte imbalances (especially hyperkalemia), and urinalysis abnormalities such as proteinuria, casts, or altered specific gravity.

Imaging tools like abdominal ultrasound can help assess renal size, echotexture, and perfusion, aiding in the differentiation between acute and chronic renal processes.


Treatment and Prognosis

Management of AKI aims to:

  • Restore and maintain renal perfusion

  • Correct fluid and electrolyte imbalances

  • Eliminate underlying causes

  • Support the patient through detoxification and metabolic stabilization

Intravenous fluid therapy remains the cornerstone of treatment, carefully adjusted based on hydration status and urine output.
In more severe cases, diuretics (e.g., furosemide) or dialysis may be necessary to manage persistent anuria or toxin accumulation.

The prognosis depends on the underlying cause, duration of renal insult, and how quickly treatment is initiated.
While some animals may fully recover renal function, others may progress to chronic kidney disease (CKD) despite stabilization.


Prevention and Clinical Awareness

Prevention of AKI relies on awareness and early detection.
Tutores should avoid self-medicating pets with human drugs and ensure adequate hydration, especially in elderly animals or those with preexisting diseases.

For veterinarians, routine monitoring of renal parameters in hospitalized or high-risk patients is essential.
In cases involving nephrotoxic drugs, concurrent fluid therapy and renal monitoring should be mandatory.


Final Thoughts

Acute Kidney Injury remains one of the most critical challenges in small animal internal medicine.
Recognizing early clinical signs and understanding the interplay between perfusion, toxins, and infection are fundamental to preventing irreversible renal damage.

In veterinary medicine, time truly means nephron — every hour counts.
Prompt diagnosis and intervention can transform a potentially fatal event into a story of recovery and resilience.


👨‍⚕️ Authored by:
Dr. Roque Antônio de Almeida Júnior
Veterinarian | CRMV-SP 23098
📍 Mogi das Cruzes – São Paulo, Brazil
🌐 www.doutordosanimais.com.br
📸 @roque_junior_veterinario

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🩺 Dr. Roque Júnior – Injúria Renal Aguda em Cães e Gatos: Causas Infecciosas, Tóxicas e Isquêmicas

Injúria Renal Aguda em Pequenos Animais: Causas Infecciosas, Tóxicas e Isquêmicas

Autores: Dr. Roque Antônio de Allmeida Junior Médico Veterinário CRMV23098
Resumo: A injúria renal aguda (IRA) é uma condição caracterizada por declínio rápido da função renal, com retenção de toxinas urêmicas, desequilíbrios hidroeletrolíticos e acidobásicos, e alterações no volume ou na concentração urinária. Em cães e gatos, as causas mais relevantes envolvem fatores infecciosos, tóxicos ou isquêmicos. Este artigo revisa a fisiopatologia, as principais etiologias segundo essas categorias, os achados clínicos e laboratoriais, o diagnóstico diferencial, o tratamento e o prognóstico, com ênfase em evidências recentes da literatura veterinária.
Palavras-chave: injúria renal aguda, cães, gatos, toxicidade renal, isquemia renal, infecção renal.

Dr. Roque Júnior, médico-veterinário do Doutor dos Animais, explicando sobre Injúria Renal Aguda em cães e gatos e suas causas infecciosas, tóxicas e isquêmicas.

Imagem: Dr. Roque Júnior – Médico-Veterinário CRMV-SP 23098 | Doutor dos Animais



1. Introdução

A injúria renal aguda (IRA, ou acute kidney injury – AKI em inglês) em pequenos animais é definida como um dano agudo ao parênquima renal, com ou sem diminuição aparente da função glomerular, e com acúmulo de resíduos metabólicos (azotemia) e/ou alterações na produção de urina. (vetjournal.it)
Historicamente chamada “insuficiência renal aguda”, o termo IRA é preferido pois engloba alterações precoces da função renal, mesmo antes da azotemia sintomática. (MSD Veterinário)
Dada a variedade de causas e a possibilidade de reversão (quando tratado adequadamente e em tempo), é importante o clínico conhecer os mecanismos, diferenciar as etiologias e implantar condutas terapêuticas precoces.
Segundo séries de casos em cães, cerca de 58% das IRA têm causas “isquêmicas/inflamatórias”, 8 % infecciosas e 6 % tóxicas em grandes hospitais universitários. (PubMed)
Este artigo visa sistematizar as principais causas em três grandes grupos — infecciosas, tóxicas e isquêmicas — e discuti-las no contexto clínico-prático.


2. Fisiopatologia Geral da IRA

Antes de adentrar nas causas específicas, convém rever os principais mecanismos pelos quais o rim sofre dano agudo:

2.1 Mecanismos de lesão

  • A isquemia ou hipoperfusão renal leva à redução abrupta da taxa de filtração glomerular (TFG) e ao dano tubular, especialmente nos túbulos proximais, que têm alta demanda metabólica. (Animal Emergency Australia)

  • Substâncias tóxicas (nefrótóxicos) podem causar necrose ou apoptose dos epitélios tubulares, lesão da membrana basal, obstrução intratubular, e agravamento da perfusão local. (bsavalibrary.com)

  • Infecções ou processos inflamatórios podem induzir dano direto às células renais, vasculite, microembolização, ou disfunção hemodinâmica (por septicemia), culminando em IRA. (bsavalibrary.com)

2.2 Fases da injúria tubular (modelo clássico)

Um modelo clássico descreve quatro fases:

  1. Fase de insulto (insult) – início do dano (isquêmico, tóxico ou infeccioso) → depleção de ATP, aumento de ânions intracelulares. (bsavalibrary.com)

  2. Fase de progressão – aumento de cálcio e sódio intracelulares, perda da borda em escova (brush border), perda de polaridade celular. (bsavalibrary.com)

  3. Fase da reparação inicial – apoptose de células lesionadas, início de regeneração celular. (bsavalibrary.com)

  4. Fase de recuperação ou cicatrização – proliferação de células tubulares, reparo da membrana basal, restauração da função ou evolução para dano crônico se lesão extensa. (bsavalibrary.com)

2.3 Consequências funcionais

  • Diminuição da TFG → acúmulo de ureia, creatinina, outros resíduos. (MSD Veterinário)

  • Alterações na produção de urina: oligúria (<0,5-1 mL/kg/h), anúria, ou, em fase de recuperação, poliúria. (Vetlexicon)

  • Desequilíbrios hidroeletrolíticos: retenção de potássio, acidose metabólica, edema. (MSD Veterinário)

  • Potencial progressão para doença renal crônica se houver cicatrização ou fibrose tubular residual.


3. Causas da IRA

A seguir, as causas são organizadas em três grandes categorias (infecciosas, tóxicas, isquêmicas). Vale lembrar que muitos casos são multifatoriais (ex: toxina + hipoperfusão).

3.1 Causas infecciosas

As infecções que afetam diretamente o parênquima renal ou que levam a disfunção hemodinâmica grave podem desencadear IRA.

3.1.1 Agentes comuns

  • Leptospirose: em cães, é uma causa bem documentada de IRA (com ou sem envolvimento hepático). (DVM360)

  • Babesiose (em áreas endêmicas): pode desencadear IRA, especialmente associada a hemólise e pigmentúria. (Jornal de Veterinária)

  • Pielonefrite, septicemia, peritonite séptica: por exemplo, uma série demonstrou IRA em 40,3% de cães com peritonite séptica. (PubMed)

3.1.2 Mecanismos

  • Dano direto aos túbulos por colonização/infecção renal (ex: leptospira nos túbulos). (DVM360)

  • Vasculite ou microembolização renal, com isquemia secundária.

  • Disfunção hemodinâmica por septicemia → hipoperfusão renal.

  • Hemoglobinúria ou mioglobinúria secundárias à hemólise ou rabdomiólise → efeito tóxico/obstrutivo nos túbulos.

3.1.3 Achados clínicos e laboratoriais

  • Anorexia, letargia, vômitos, polidipsia/poliúria ou oligúria. (Sinais comuns a IRA em geral) (PubMed)

  • Em leptospirose: icterícia, febre, plaquetopenia, leucocitose, glicosúria com normoglicemia. (DVM360)

  • Em babesiose: hemólise, pigmentúria, possível glomerulonefrite. (Jornal de Veterinária)

  • Laboratório: azotemia súbita, urina pouco concentrada apesar de desidratação, possíveis alterações nas enzimas hepáticas. (Vetlexicon)

3.1.4 Considerações práticas para o clínico

  • Em áreas onde leptospirose ou babesiose são prevalentes, pensar em IRA de origem infecciosa em animais com falência renal súbita.

  • Testes específicos (PCR, sorologia para leptospira; frotis ou PCR para babesiose) são indicados. (Jornal de Veterinária)

  • É necessário tratar tanto a infecção (ex: antibióticos/específicos) quanto dar suporte renal (hidratação, monitoramento) para tentar reversão.

  • Em casos de peritonite ou septicemia, monitorar de perto função renal, pois o risco de IRA secundária é alto. (PubMed)

3.2 Causas tóxicas (nefrótóxicas)

Diversos agentes externos ou endógenos podem provocar IRA via lesão tubular direta, obstrução intratubular ou combinação.

3.2.1 Agentes nefrótóxicos importantes

3.2.2 Mecanismos

  • A substância tóxica penetra no epitélio tubular, provoca liberação de radicais livres, disfunção mitocondrial, necrose das células epiteliais. (Animal Emergency Australia)

  • Obstrução intratubular por detritos celulares necrosados ou pigmentos → agravando a queda da filtração.

  • Vasoconstrição local e hipoperfusão secundária.

3.2.3 Achados clínicos e laboratoriais

  • História compatível (ingestão de toxina, uso de droga nefrotóxica, exposição recente).

  • Em etilenoglicol: sinais neurológicos, hipocalcemia, cristais de oxalato de cálcio na urina.

  • Uvas/Passas: vômito precoce, aumento rápido da creatinina, oligúria/anúria.

  • Aumento abrupto de ureia e creatinina; urina pouco concentrada; pode haver hipercalemia.

  • Monitorar também potássio, fosfato, cálcio, acidose.

3.2.4 Considerações práticas

  • Clínicos devem obter histórico toxicológico e medicamentoso completo.

  • Iniciar tratamento de suporte imediatamente (fluido­terapia, monitoramento urinário) mesmo antes da confirmação da causa.

  • Identificar e cessar exposição ao tóxico (ex: remover fonte, suspender fármaco).

  • Em muitos casos, a evolução depende da extensão da lesão tubular e da rapidez do suporte.

3.3 Causas isquêmicas/hipoperfusivas

A hipoperfusão renal, geralmente secundária a choque, desidratação severa, cirurgia, ou tromboembolismo, é uma causa comum de IRA.

3.3.1 Situações comuns

  • Hipovolemia severa (vômitos, diarreia, hemorragia) → diminuição do débito cardíaco e perfusão renal.

  • Choque séptico ou por hemorragia.

  • Cirurgia prolongada ou anestesia com hipotensão intraoperatória. (DVM360)

  • Coagulação intravascular disseminada (CIVD) ou microembolização renal.

  • Obstrução pós-renal prolongada (uréter, uretra) que secundariamente leva à necrose parenquimatosa. (MSD Veterinário)

3.3.2 Mecanismos

  • Diminuição do fluxo sanguíneo renal → hipóxia tubular, necrose e funcionalmente queda da TFG.

  • Lesão dos túbulos proximais, perda de microvilos, disfunção dos transportadores como Na⁺/K⁺-ATPase. (Animal Emergency Australia)

  • Recuperação depende do tempo de isquemia, da presença de reperfusão e da extensão da lesão.

3.3.3 Achados clínicos e laboratoriais

  • História de evento de hipotensão, desidratação, cirurgia ou traumatismo.

  • Sinais de IRA como letargia, vómitos, oligúria/anúria; possível evidência de falência de outros órgãos (ex: fígado, circulação). (PubMed)

  • Laboratorialmente: elevação súbita de creatinina/ureia, urina pouco concentrada, possivelmente aumento de enzimas de lesão celular (CK, ALT) se houver dano associado.

  • Em estudo de cães com peritonite séptica, pressão arterial sistólica baixa e frequência respiratória alta foram fatores de risco para IRA. (PubMed)

3.3.4 Considerações práticas

  • Em pacientes com choque, grande prudência com perfusão renal e monitoramento da função renal.

  • Fluxo sanguíneo renal deve ser otimizado (fluido, suporte hemodinâmico) para prevenir ou minimizar a IRA.

  • Em anestesias/procedimentos de risco, considerar monitoramento renal e evitar hipotensão prolongada.

  • O prognóstico depende da gravidade da isquemia e da presença de comorbidades.


4. Diagnóstico e Avaliação Clínica

4.1 Sinais clínicos gerais

Animais com IRA podem apresentar: letargia, anorexia, vômito, diarreia, desidratação, produção de urina diminuída (oligúria/anúria) ou, em fase de diurese, poliúria. (Ovid)
Podem também haver sinais secundários: halitose urêmica, úlceras orais, dor renal (à palpação), hipertensão, edema pulmonar se houver sobrecarga hídrica. (Vetlexicon)

4.2 Exames laboratoriais e de imagem

  • Hemograma: pode revelar leucocitose, plaquetopenia (ex: em leptospirose). (DVM360)

  • Bioquímica: aumento de ureia, creatinina, fosfato; hipercalemia; acidose metabólica. (MSD Veterinário)

  • Urinálise: densidade urinária baixa apesar de desidratação (ex: isostúria 1.007-1.030) sugere disfunção tubular. (MSD Veterinário)

  • Ultrassom abdominal: avalia tamanho renal, ecogenicidade, evidência de obstrução pós-renal.

  • Testes específicos de infecção: sorologia/PCR para leptospira, babesiose, avaliação de culturas de urina se suspeita de pielonefrite. (Jornal de Veterinária)

  • Avaliação hemodinâmica: pressão arterial, perfusão, possíveis marcadores de hipoperfusão (ex: CK elevado). (PubMed)

4.3 Classificação e prognóstico

O sistema de classificação da International Renal Interest Society (IRIS) para IRA em cães e gatos permite estratificar a gravidade com base na creatinina sérica, produção urinária e outros parâmetros. (vetjournal.it)
Estudos mostram que o grau de IRA (por IRIS) e a presença de anúria estão significativamente associados ao risco de mortalidade. (PubMed)


5. Tratamento

O tratamento da IRA tem duas frentes principais: correção/eliminação da causa e suporte da função renal.

5.1 Suporte geral

  • Reposição e manutenção de fluidos: corrigir desidratação, manter perfusão renal, evitar sobrecarga hídrica. Atenção especial: administração excessiva de fluidos em animal oligúrico/anúrico pode levar a edema pulmonar ou cerebral. (MSD Veterinário)

  • Monitoramento da produção urinária (“ins e outs”), monitoramento de potássio, fosfato, cálcio, acidobase.

  • Controle da hiperpotassemia (que pode provocar arritmias).

  • Tratamento de sinais de uremia: antieméticos, gastroprotetores, nutrição assistida. (MSD Veterinário)

  • Em casos graves, considerar terapia de substituição renal (hemodiálise) se disponível. Em estudo, cães que fizeram hemodiálise tiveram sobrevivência de cerca de 60%. (Ovid)

5.2 Tratamento específico conforme a causa

  • Infecciosas: antibióticos ou terapia específica (ex: leptospira) + suporte renal.

  • Tóxicas: eliminar ou interromper o agente tóxico; em alguns casos específicos (ex: etilenoglicol) administração de antídotos ou terapia de carvão ativado.

  • Isquêmicas: melhorar perfusão, tratar causa da hipovolemia/choque, manter pressão arterial renal adequada.

5.3 Monitoramento e cuidados contínuos

  • Reavaliar creatinina, ureia e função renal periodicamente.

  • Após recuperação, monitorar a função renal para detecção precoce de evolução para doença renal crônica.

  • Aconselhamento ao tutor sobre possível risco de evolução para doença renal crônica, e importância de check-ups regulares.


6. Prognóstico

O prognóstico da IRA em animais varia conforme: a gravidade da lesão, a rapidez da intervenção, a etiologia e a presença de comorbidades.
Em estudo com 249 cães, cerca de 66% sobreviveram à hospitalização; maior gravidade (IRIS elevado) e anúria foram fatores de risco para mortalidade. (Ovid)
Em complicações como peritonite séptica, cães com IRA tinham probabilidade substancialmente menor de sobreviver à alta (OR ≈ 0,2) comparados aos que não desenvolveram IRA. (PubMed)
Se a lesão tubular for maciça ou prolongada, pode haver cicatrização e progressão para doença renal crônica. Logo, embora a IRA possa ser reversível, não significa retorno total à função normal em todos os casos. (Vetlexicon)


7. Conclusão

A injúria renal aguda é uma condição séria em cães e gatos, que exige diagnóstico precoce e tratamento imediato. Entre as principais etiologias estão causas infecciosas, tóxicas e isquêmicas, cada uma com particularidades que o clínico deve reconhecer. O tratamento combina suporte renal geral com abordagem específica da causa. Apesar de muitos animais terem bom prognóstico, o risco de mortalidade permanece elevado, e a possibilidade de evolução para doença renal crônica não deve ser negligenciada.


8. Referências selecionadas

  1. JB et al. Acute kidney injury in dogs: Etiology, clinical and clinicopathologic findings, prognostic markers, and outcome. J Vet Intern Med. 2022. (PubMed)

  2. IRIS guidelines for the diagnosis and management of acute kidney injury in cats and dogs. Vet J. 2024. (vetjournal.it)

  3. MSD Veterinary Manual – Acute Kidney Injury in Dogs and Cats. (MSD Veterinário)

  4. Assessment of acute kidney injury in dogs suffering from babesiosis and leptospirosis. J Vet Anim Sci. 2023. (Jornal de Veterinária)

  5. Acute kidney injury in dogs with septic peritonitis… J Vet Intern Med. (PubMed)

  6. BSAVA Manual of Canine and Feline Nephrology and Urology – Chapter “Acute Kidney Injury”. (bsavalibrary.com)



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