Infecções Bacterianas da Pele (Piodermites) em Cães e Gatos: Revisão Atualizada
Autor: Dr. Roque Antônio de Almeida Júnior, Médico-Veterinário – CRMV-SP 23098
Atendimento Veterinário Domiciliar – Mogi das Cruzes e Região
Resumo
As piodermites são infecções bacterianas cutâneas comuns na rotina clínica de cães e gatos, representando uma das principais causas de prurido e inflamação de pele. Normalmente secundárias a doenças subjacentes, como alergias, endocrinopatias ou parasitoses, elas exigem diagnóstico preciso e manejo terapêutico racional. Este artigo revisa os principais aspectos etiológicos, clínicos, diagnósticos e terapêuticos das piodermites, com ênfase em práticas seguras de tratamento e prevenção, sobretudo no contexto da clínica veterinária domiciliar.
1. Introdução
A pele é o maior órgão do corpo e atua como barreira física, química e imunológica contra agentes externos. Quando essa barreira é rompida, ocorre a proliferação bacteriana oportunista, originando quadros infecciosos conhecidos como piodermites.
Essas infecções são responsáveis por grande parte dos atendimentos dermatológicos em cães, e embora menos frequentes em gatos, também podem ocorrer. As piodermites raramente são primárias; em geral, resultam de condições subjacentes que alteram a defesa cutânea, permitindo o crescimento bacteriano anormal.
2. Classificação das Piodermites
As piodermites são classificadas conforme a profundidade da infecção e os tecidos acometidos:
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Piodermite de superfície: afeta apenas a camada superficial da pele, como na dermatite piotraumática (“hot spot”) e intertrigo (infecção de dobras cutâneas).
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Piodermite superficial: envolve a epiderme e os folículos pilosos, como na foliculite bacteriana e impetigo.
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Piodermite profunda: atinge derme e tecido subcutâneo, podendo gerar furunculose e celulite.
A distinção entre essas formas é essencial para o prognóstico e para a escolha terapêutica adequada.
3. Etiologia e Patogênese
O principal agente envolvido nas piodermites caninas é o Staphylococcus pseudintermedius, bactéria Gram-positiva comensal da pele e mucosas. Em condições normais, esse microrganismo não causa doença, mas diante de fatores predisponentes — como umidade, lambedura excessiva, alergias ou imunossupressão — torna-se patogênico.
Outras bactérias, como Pseudomonas, Proteus e Enterobacter, podem estar envolvidas em infecções mais profundas ou em casos de resistência antimicrobiana.
O desequilíbrio da microbiota cutânea, aliado à inflamação e à perda da função de barreira, resulta em proliferação bacteriana, destruição folicular e formação de pústulas e crostas características.
4. Fatores Predisponentes
Entre os principais fatores que favorecem o surgimento de piodermites estão:
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Alergias cutâneas: como dermatite atópica, hipersensibilidade alimentar e alergia à picada de pulga;
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Doenças endócrinas: hipotireoidismo e síndrome de Cushing;
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Ectoparasitoses: pulgas, ácaros e carrapatos;
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Traumas e lambedura crônica: ruptura da barreira cutânea;
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Dobras cutâneas e obesidade: especialmente em raças braquicefálicas;
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Uso inadequado de antibióticos: contribuindo para resistência bacteriana.
A identificação desses fatores é fundamental para o controle definitivo da doença e prevenção de recidivas.
5. Sinais Clínicos
Os sinais variam conforme a profundidade da infecção. Em piodermites superficiais, observam-se:
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Eritema (vermelhidão);
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Pápulas e pústulas;
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Colarinhos epidérmicos (lesões circulares com crosta central);
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Alopecia localizada;
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Prurido (coceira intensa).
Nas piodermites profundas, há:
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Nódulos e abscessos;
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Fístulas com drenagem de pus;
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Dor, edema e crostas espessas;
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Febre e apatia em casos graves.
A distribuição das lesões (face, abdômen, espaços interdigitais, base da cauda, dobras) auxilia no diagnóstico clínico.
6. Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se na associação de anamnese, exame clínico e exames complementares, como:
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Citologia cutânea: demonstra presença de cocos fagocitados por neutrófilos;
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Cultura e antibiograma: indicados em infecções recorrentes, falhas terapêuticas ou suspeita de resistência;
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Raspado de pele e lâmpada de Wood: para descartar parasitos e dermatofitos;
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Exames hormonais: quando se suspeita de doenças endócrinas associadas.
O diagnóstico diferencial deve incluir dermatofitoses, demodicose, dermatite alérgica e infecções fúngicas secundárias.
7. Tratamento
O tratamento deve sempre envolver duas etapas fundamentais: o controle da infecção e o tratamento da causa primária.
7.1 Terapia tópica
Indispensável em piodermites superficiais.
Banhos com xampus à base de clorexidina, peróxido de benzoíla ou mupirocina ajudam a reduzir a carga bacteriana, remover crostas e aliviar o prurido.
O tratamento tópico pode ser suficiente em casos leves.
7.2 Antibióticos sistêmicos
Indicados em infecções profundas ou extensas.
As opções mais utilizadas incluem cefalexina, amoxicilina com clavulanato e clindamicina, respeitando sempre o resultado do antibiograma.
O tempo mínimo de tratamento é de 3 a 4 semanas (ou até 7 semanas em casos profundos).
7.3 Manejo do ambiente e da pele
Manter a pele limpa e seca, controlar ectoparasitas, evitar banhos excessivos e orientar o tutor sobre higiene e prevenção.
Nos casos de alergias, o controle rigoroso da doença de base é imprescindível para evitar recidivas.
7.4 Resistência bacteriana
A resistência antimicrobiana, especialmente de Staphylococcus pseudintermedius resistentes à meticilina (MRSP), é um desafio crescente na medicina veterinária.
O uso racional de antibióticos, aliado ao tratamento tópico adequado, é a melhor forma de prevenir a seleção de cepas resistentes.
8. Prognóstico
O prognóstico das piodermites superficiais é geralmente favorável quando a causa primária é controlada e o tratamento é seguido corretamente.
Já as piodermites profundas e recorrentes exigem acompanhamento prolongado e podem apresentar recidivas se a doença de base não for resolvida.
A resposta clínica deve ser avaliada a cada 7 a 10 dias.
9. Considerações no Atendimento Domiciliar
No atendimento domiciliar, é fundamental observar:
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Higiene do ambiente e objetos do animal;
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Controle de parasitas e umidade;
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Orientação detalhada ao tutor sobre aplicação de terapias tópicas;
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Registro fotográfico das lesões para acompanhamento clínico;
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Reforço da importância do retorno e da continuidade do tratamento.
Essas práticas melhoram o resultado terapêutico, aumentam a adesão do tutor e reduzem a necessidade de antibióticos sistêmicos.
10. Conclusão
As infecções bacterianas da pele são condições multifatoriais que requerem diagnóstico cuidadoso e abordagem integrada.
O tratamento eficaz depende da identificação da causa subjacente, do uso responsável de antimicrobianos e da educação do tutor.
No contexto da medicina veterinária domiciliar, a prevenção, o acompanhamento individualizado e o manejo ambiental são as ferramentas mais eficazes para garantir o sucesso terapêutico e o bem-estar do animal.
Referências Bibliográficas
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