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🩺 Dr. Roque Júnior – Injúria Renal Aguda em Cães e Gatos: Causas Infecciosas, Tóxicas e Isquêmicas

Injúria Renal Aguda em Pequenos Animais: Causas Infecciosas, Tóxicas e Isquêmicas

Autores: Dr. Roque Antônio de Allmeida Junior Médico Veterinário CRMV23098
Resumo: A injúria renal aguda (IRA) é uma condição caracterizada por declínio rápido da função renal, com retenção de toxinas urêmicas, desequilíbrios hidroeletrolíticos e acidobásicos, e alterações no volume ou na concentração urinária. Em cães e gatos, as causas mais relevantes envolvem fatores infecciosos, tóxicos ou isquêmicos. Este artigo revisa a fisiopatologia, as principais etiologias segundo essas categorias, os achados clínicos e laboratoriais, o diagnóstico diferencial, o tratamento e o prognóstico, com ênfase em evidências recentes da literatura veterinária.
Palavras-chave: injúria renal aguda, cães, gatos, toxicidade renal, isquemia renal, infecção renal.

Dr. Roque Júnior, médico-veterinário do Doutor dos Animais, explicando sobre Injúria Renal Aguda em cães e gatos e suas causas infecciosas, tóxicas e isquêmicas.

Imagem: Dr. Roque Júnior – Médico-Veterinário CRMV-SP 23098 | Doutor dos Animais



1. Introdução

A injúria renal aguda (IRA, ou acute kidney injury – AKI em inglês) em pequenos animais é definida como um dano agudo ao parênquima renal, com ou sem diminuição aparente da função glomerular, e com acúmulo de resíduos metabólicos (azotemia) e/ou alterações na produção de urina. (vetjournal.it)
Historicamente chamada “insuficiência renal aguda”, o termo IRA é preferido pois engloba alterações precoces da função renal, mesmo antes da azotemia sintomática. (MSD Veterinário)
Dada a variedade de causas e a possibilidade de reversão (quando tratado adequadamente e em tempo), é importante o clínico conhecer os mecanismos, diferenciar as etiologias e implantar condutas terapêuticas precoces.
Segundo séries de casos em cães, cerca de 58% das IRA têm causas “isquêmicas/inflamatórias”, 8 % infecciosas e 6 % tóxicas em grandes hospitais universitários. (PubMed)
Este artigo visa sistematizar as principais causas em três grandes grupos — infecciosas, tóxicas e isquêmicas — e discuti-las no contexto clínico-prático.


2. Fisiopatologia Geral da IRA

Antes de adentrar nas causas específicas, convém rever os principais mecanismos pelos quais o rim sofre dano agudo:

2.1 Mecanismos de lesão

  • A isquemia ou hipoperfusão renal leva à redução abrupta da taxa de filtração glomerular (TFG) e ao dano tubular, especialmente nos túbulos proximais, que têm alta demanda metabólica. (Animal Emergency Australia)

  • Substâncias tóxicas (nefrótóxicos) podem causar necrose ou apoptose dos epitélios tubulares, lesão da membrana basal, obstrução intratubular, e agravamento da perfusão local. (bsavalibrary.com)

  • Infecções ou processos inflamatórios podem induzir dano direto às células renais, vasculite, microembolização, ou disfunção hemodinâmica (por septicemia), culminando em IRA. (bsavalibrary.com)

2.2 Fases da injúria tubular (modelo clássico)

Um modelo clássico descreve quatro fases:

  1. Fase de insulto (insult) – início do dano (isquêmico, tóxico ou infeccioso) → depleção de ATP, aumento de ânions intracelulares. (bsavalibrary.com)

  2. Fase de progressão – aumento de cálcio e sódio intracelulares, perda da borda em escova (brush border), perda de polaridade celular. (bsavalibrary.com)

  3. Fase da reparação inicial – apoptose de células lesionadas, início de regeneração celular. (bsavalibrary.com)

  4. Fase de recuperação ou cicatrização – proliferação de células tubulares, reparo da membrana basal, restauração da função ou evolução para dano crônico se lesão extensa. (bsavalibrary.com)

2.3 Consequências funcionais

  • Diminuição da TFG → acúmulo de ureia, creatinina, outros resíduos. (MSD Veterinário)

  • Alterações na produção de urina: oligúria (<0,5-1 mL/kg/h), anúria, ou, em fase de recuperação, poliúria. (Vetlexicon)

  • Desequilíbrios hidroeletrolíticos: retenção de potássio, acidose metabólica, edema. (MSD Veterinário)

  • Potencial progressão para doença renal crônica se houver cicatrização ou fibrose tubular residual.


3. Causas da IRA

A seguir, as causas são organizadas em três grandes categorias (infecciosas, tóxicas, isquêmicas). Vale lembrar que muitos casos são multifatoriais (ex: toxina + hipoperfusão).

3.1 Causas infecciosas

As infecções que afetam diretamente o parênquima renal ou que levam a disfunção hemodinâmica grave podem desencadear IRA.

3.1.1 Agentes comuns

  • Leptospirose: em cães, é uma causa bem documentada de IRA (com ou sem envolvimento hepático). (DVM360)

  • Babesiose (em áreas endêmicas): pode desencadear IRA, especialmente associada a hemólise e pigmentúria. (Jornal de Veterinária)

  • Pielonefrite, septicemia, peritonite séptica: por exemplo, uma série demonstrou IRA em 40,3% de cães com peritonite séptica. (PubMed)

3.1.2 Mecanismos

  • Dano direto aos túbulos por colonização/infecção renal (ex: leptospira nos túbulos). (DVM360)

  • Vasculite ou microembolização renal, com isquemia secundária.

  • Disfunção hemodinâmica por septicemia → hipoperfusão renal.

  • Hemoglobinúria ou mioglobinúria secundárias à hemólise ou rabdomiólise → efeito tóxico/obstrutivo nos túbulos.

3.1.3 Achados clínicos e laboratoriais

  • Anorexia, letargia, vômitos, polidipsia/poliúria ou oligúria. (Sinais comuns a IRA em geral) (PubMed)

  • Em leptospirose: icterícia, febre, plaquetopenia, leucocitose, glicosúria com normoglicemia. (DVM360)

  • Em babesiose: hemólise, pigmentúria, possível glomerulonefrite. (Jornal de Veterinária)

  • Laboratório: azotemia súbita, urina pouco concentrada apesar de desidratação, possíveis alterações nas enzimas hepáticas. (Vetlexicon)

3.1.4 Considerações práticas para o clínico

  • Em áreas onde leptospirose ou babesiose são prevalentes, pensar em IRA de origem infecciosa em animais com falência renal súbita.

  • Testes específicos (PCR, sorologia para leptospira; frotis ou PCR para babesiose) são indicados. (Jornal de Veterinária)

  • É necessário tratar tanto a infecção (ex: antibióticos/específicos) quanto dar suporte renal (hidratação, monitoramento) para tentar reversão.

  • Em casos de peritonite ou septicemia, monitorar de perto função renal, pois o risco de IRA secundária é alto. (PubMed)

3.2 Causas tóxicas (nefrótóxicas)

Diversos agentes externos ou endógenos podem provocar IRA via lesão tubular direta, obstrução intratubular ou combinação.

3.2.1 Agentes nefrótóxicos importantes

3.2.2 Mecanismos

  • A substância tóxica penetra no epitélio tubular, provoca liberação de radicais livres, disfunção mitocondrial, necrose das células epiteliais. (Animal Emergency Australia)

  • Obstrução intratubular por detritos celulares necrosados ou pigmentos → agravando a queda da filtração.

  • Vasoconstrição local e hipoperfusão secundária.

3.2.3 Achados clínicos e laboratoriais

  • História compatível (ingestão de toxina, uso de droga nefrotóxica, exposição recente).

  • Em etilenoglicol: sinais neurológicos, hipocalcemia, cristais de oxalato de cálcio na urina.

  • Uvas/Passas: vômito precoce, aumento rápido da creatinina, oligúria/anúria.

  • Aumento abrupto de ureia e creatinina; urina pouco concentrada; pode haver hipercalemia.

  • Monitorar também potássio, fosfato, cálcio, acidose.

3.2.4 Considerações práticas

  • Clínicos devem obter histórico toxicológico e medicamentoso completo.

  • Iniciar tratamento de suporte imediatamente (fluido­terapia, monitoramento urinário) mesmo antes da confirmação da causa.

  • Identificar e cessar exposição ao tóxico (ex: remover fonte, suspender fármaco).

  • Em muitos casos, a evolução depende da extensão da lesão tubular e da rapidez do suporte.

3.3 Causas isquêmicas/hipoperfusivas

A hipoperfusão renal, geralmente secundária a choque, desidratação severa, cirurgia, ou tromboembolismo, é uma causa comum de IRA.

3.3.1 Situações comuns

  • Hipovolemia severa (vômitos, diarreia, hemorragia) → diminuição do débito cardíaco e perfusão renal.

  • Choque séptico ou por hemorragia.

  • Cirurgia prolongada ou anestesia com hipotensão intraoperatória. (DVM360)

  • Coagulação intravascular disseminada (CIVD) ou microembolização renal.

  • Obstrução pós-renal prolongada (uréter, uretra) que secundariamente leva à necrose parenquimatosa. (MSD Veterinário)

3.3.2 Mecanismos

  • Diminuição do fluxo sanguíneo renal → hipóxia tubular, necrose e funcionalmente queda da TFG.

  • Lesão dos túbulos proximais, perda de microvilos, disfunção dos transportadores como Na⁺/K⁺-ATPase. (Animal Emergency Australia)

  • Recuperação depende do tempo de isquemia, da presença de reperfusão e da extensão da lesão.

3.3.3 Achados clínicos e laboratoriais

  • História de evento de hipotensão, desidratação, cirurgia ou traumatismo.

  • Sinais de IRA como letargia, vómitos, oligúria/anúria; possível evidência de falência de outros órgãos (ex: fígado, circulação). (PubMed)

  • Laboratorialmente: elevação súbita de creatinina/ureia, urina pouco concentrada, possivelmente aumento de enzimas de lesão celular (CK, ALT) se houver dano associado.

  • Em estudo de cães com peritonite séptica, pressão arterial sistólica baixa e frequência respiratória alta foram fatores de risco para IRA. (PubMed)

3.3.4 Considerações práticas

  • Em pacientes com choque, grande prudência com perfusão renal e monitoramento da função renal.

  • Fluxo sanguíneo renal deve ser otimizado (fluido, suporte hemodinâmico) para prevenir ou minimizar a IRA.

  • Em anestesias/procedimentos de risco, considerar monitoramento renal e evitar hipotensão prolongada.

  • O prognóstico depende da gravidade da isquemia e da presença de comorbidades.


4. Diagnóstico e Avaliação Clínica

4.1 Sinais clínicos gerais

Animais com IRA podem apresentar: letargia, anorexia, vômito, diarreia, desidratação, produção de urina diminuída (oligúria/anúria) ou, em fase de diurese, poliúria. (Ovid)
Podem também haver sinais secundários: halitose urêmica, úlceras orais, dor renal (à palpação), hipertensão, edema pulmonar se houver sobrecarga hídrica. (Vetlexicon)

4.2 Exames laboratoriais e de imagem

  • Hemograma: pode revelar leucocitose, plaquetopenia (ex: em leptospirose). (DVM360)

  • Bioquímica: aumento de ureia, creatinina, fosfato; hipercalemia; acidose metabólica. (MSD Veterinário)

  • Urinálise: densidade urinária baixa apesar de desidratação (ex: isostúria 1.007-1.030) sugere disfunção tubular. (MSD Veterinário)

  • Ultrassom abdominal: avalia tamanho renal, ecogenicidade, evidência de obstrução pós-renal.

  • Testes específicos de infecção: sorologia/PCR para leptospira, babesiose, avaliação de culturas de urina se suspeita de pielonefrite. (Jornal de Veterinária)

  • Avaliação hemodinâmica: pressão arterial, perfusão, possíveis marcadores de hipoperfusão (ex: CK elevado). (PubMed)

4.3 Classificação e prognóstico

O sistema de classificação da International Renal Interest Society (IRIS) para IRA em cães e gatos permite estratificar a gravidade com base na creatinina sérica, produção urinária e outros parâmetros. (vetjournal.it)
Estudos mostram que o grau de IRA (por IRIS) e a presença de anúria estão significativamente associados ao risco de mortalidade. (PubMed)


5. Tratamento

O tratamento da IRA tem duas frentes principais: correção/eliminação da causa e suporte da função renal.

5.1 Suporte geral

  • Reposição e manutenção de fluidos: corrigir desidratação, manter perfusão renal, evitar sobrecarga hídrica. Atenção especial: administração excessiva de fluidos em animal oligúrico/anúrico pode levar a edema pulmonar ou cerebral. (MSD Veterinário)

  • Monitoramento da produção urinária (“ins e outs”), monitoramento de potássio, fosfato, cálcio, acidobase.

  • Controle da hiperpotassemia (que pode provocar arritmias).

  • Tratamento de sinais de uremia: antieméticos, gastroprotetores, nutrição assistida. (MSD Veterinário)

  • Em casos graves, considerar terapia de substituição renal (hemodiálise) se disponível. Em estudo, cães que fizeram hemodiálise tiveram sobrevivência de cerca de 60%. (Ovid)

5.2 Tratamento específico conforme a causa

  • Infecciosas: antibióticos ou terapia específica (ex: leptospira) + suporte renal.

  • Tóxicas: eliminar ou interromper o agente tóxico; em alguns casos específicos (ex: etilenoglicol) administração de antídotos ou terapia de carvão ativado.

  • Isquêmicas: melhorar perfusão, tratar causa da hipovolemia/choque, manter pressão arterial renal adequada.

5.3 Monitoramento e cuidados contínuos

  • Reavaliar creatinina, ureia e função renal periodicamente.

  • Após recuperação, monitorar a função renal para detecção precoce de evolução para doença renal crônica.

  • Aconselhamento ao tutor sobre possível risco de evolução para doença renal crônica, e importância de check-ups regulares.


6. Prognóstico

O prognóstico da IRA em animais varia conforme: a gravidade da lesão, a rapidez da intervenção, a etiologia e a presença de comorbidades.
Em estudo com 249 cães, cerca de 66% sobreviveram à hospitalização; maior gravidade (IRIS elevado) e anúria foram fatores de risco para mortalidade. (Ovid)
Em complicações como peritonite séptica, cães com IRA tinham probabilidade substancialmente menor de sobreviver à alta (OR ≈ 0,2) comparados aos que não desenvolveram IRA. (PubMed)
Se a lesão tubular for maciça ou prolongada, pode haver cicatrização e progressão para doença renal crônica. Logo, embora a IRA possa ser reversível, não significa retorno total à função normal em todos os casos. (Vetlexicon)


7. Conclusão

A injúria renal aguda é uma condição séria em cães e gatos, que exige diagnóstico precoce e tratamento imediato. Entre as principais etiologias estão causas infecciosas, tóxicas e isquêmicas, cada uma com particularidades que o clínico deve reconhecer. O tratamento combina suporte renal geral com abordagem específica da causa. Apesar de muitos animais terem bom prognóstico, o risco de mortalidade permanece elevado, e a possibilidade de evolução para doença renal crônica não deve ser negligenciada.


8. Referências selecionadas

  1. JB et al. Acute kidney injury in dogs: Etiology, clinical and clinicopathologic findings, prognostic markers, and outcome. J Vet Intern Med. 2022. (PubMed)

  2. IRIS guidelines for the diagnosis and management of acute kidney injury in cats and dogs. Vet J. 2024. (vetjournal.it)

  3. MSD Veterinary Manual – Acute Kidney Injury in Dogs and Cats. (MSD Veterinário)

  4. Assessment of acute kidney injury in dogs suffering from babesiosis and leptospirosis. J Vet Anim Sci. 2023. (Jornal de Veterinária)

  5. Acute kidney injury in dogs with septic peritonitis… J Vet Intern Med. (PubMed)

  6. BSAVA Manual of Canine and Feline Nephrology and Urology – Chapter “Acute Kidney Injury”. (bsavalibrary.com)



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