Pancreatite em Cães e Gatos: Abordagem Diagnóstica e Terapêutica

 


Pancreatite em Cães e Gatos: Abordagem Diagnóstica e Terapêutica

Dr. Roque Antônio de Almeida Júnior – Médico Veterinário | CRMV-SP 23098


Resumo

A pancreatite é uma condição inflamatória que afeta o pâncreas de cães e gatos, sendo uma enfermidade comum, porém subdiagnosticada. Trata-se de uma doença que varia de formas leves e autolimitantes a quadros graves e potencialmente fatais. O presente artigo aborda, de forma detalhada, os aspectos fisiopatológicos, etiológicos, clínicos, diagnósticos e terapêuticos da pancreatite em pequenos animais, com ênfase nas melhores práticas baseadas em evidências.

 

                             Dr. Roque Antônio de Almeida Junior CRMV 23098 😊🐶



1. Introdução

O pâncreas exócrino é responsável pela produção de enzimas digestivas essenciais. A inflamação desse órgão, chamada pancreatite, ocorre quando há ativação precoce dessas enzimas dentro do próprio tecido pancreático, resultando em autodigestão e resposta inflamatória sistêmica. Em cães, a forma aguda é mais prevalente, enquanto nos gatos, a apresentação clínica costuma ser mais crônica e insidiosa.


2. Fisiopatologia

A pancreatite se inicia com a ativação intrapancreática da tripsina, levando à cascata de ativação de outras enzimas, necrose celular, liberação de citocinas inflamatórias e, em casos graves, falência multiorgânica. Essa inflamação pode ser limitada ao pâncreas (pancreatite leve), ou se expandir para tecidos adjacentes e sistemas sistêmicos (pancreatite necrosante ou hemorrágica).


3. Etiologia

Diversos fatores podem desencadear pancreatite em cães e gatos:

3.1 Cães

  • Alimentação rica em gordura

  • Obesidade

  • Trauma abdominal

  • Hiperlipidemia (ex: Schnauzers)

  • Fármacos (ex: azatioprina, furosemida, tetraciclinas)

  • Doenças endócrinas (hiperlipidemia, diabetes mellitus, hipotireoidismo, hiperadrenocorticismo)

3.2 Gatos

  • Doenças inflamatórias intestinais

  • Colangite / hepatopatia (tríade felina)

  • Toxoplasma gondii

  • Parasitos gastrointestinais

  • Trauma

  • Idiopática (alta incidência)


4. Sinais Clínicos

Os sinais variam de acordo com a espécie e a gravidade da inflamação:

Cães

  • Vômito (sintoma mais comum)

  • Dor abdominal (posição de oração)

  • Diarreia

  • Letargia

  • Anorexia

  • Febre

Gatos

  • Anorexia

  • Letargia

  • Perda de peso

  • Hipotermia

  • Vômito (menos comum do que em cães)

  • Desidratação


5. Diagnóstico

O diagnóstico é desafiador, especialmente nos gatos, e exige uma abordagem multimodal:

5.1 Exames laboratoriais

  • Hemograma: leucocitose, neutrofilia, anemia

  • Bioquímica: aumento de ALT, AST, hiperglicemia, hipocalcemia, hipertrigliceridemia

  • Lipase e amilase: pouco específicas em cães, e não confiáveis em gatos

  • Especific Lipase Pancreática Canina (cPLI) e Felina (fPLI): exame mais confiável

5.2 Imagem

  • Ultrassonografia abdominal: avaliação do aumento do pâncreas, ecogenicidade alterada, presença de líquido livre ou alterações peripancreáticas

  • Radiografia abdominal: pouco sensível, mas pode ajudar na exclusão de outras causas

  • Tomografia computadorizada (TC): utilizada em centros especializados

5.3 Diagnóstico Diferencial

  • Gastroenterite

  • Corpo estranho gastrointestinal

  • Insuficiência renal aguda

  • Doença hepática

  • Colangite e hepatite (em gatos)


6. Tratamento

O tratamento é, em grande parte, de suporte, com foco em controle da dor, correção de distúrbios hidroeletrolíticos e suporte nutricional.

6.1 Estabilização e fluidoterapia

  • Reposição agressiva com cristaloides isotônicos (Ringer Lactato ou NaCl 0,9%)

  • Monitoramento de eletrólitos, acidose e pressão arterial

6.2 Controle da dor

  • Analgésicos opioides (tramadol, buprenorfina)

  • Em casos mais graves: fentanil intravenoso contínuo

6.3 Antiêmese

  • Maropitant (Cerenia®)

  • Ondansetrona

  • Metoclopramida (com cautela)

6.4 Antibióticos

  • Uso restrito apenas em casos suspeitos de infecção pancreática secundária (necrose, febre persistente, leucocitose grave)

6.5 Suporte nutricional

  • Início precoce de nutrição enteral via oral ou por sonda nasoesofágica

  • Dietas de fácil digestão e baixo teor de gordura

  • Evitar jejum prolongado

6.6 Outras terapias

  • Plasma fresco em casos graves

  • Antioxidantes como S-adenosilmetionina e vitamina E (uso controverso)

  • Corticóides: apenas em casos bem indicados (ex: pancreatite autoimune)


7. Prognóstico

O prognóstico é variável e depende da gravidade, rapidez do diagnóstico e resposta ao tratamento. Cães com pancreatite aguda leve geralmente se recuperam bem, enquanto gatos com formas crônicas podem necessitar de manejo a longo prazo.

Fatores de mau prognóstico incluem:

  • Hipoalbuminemia

  • Hipocalcemia

  • Coagulopatia

  • Persistência de vômitos e anorexia


8. Considerações Finais

A pancreatite é uma condição séria, porém controlável com diagnóstico e tratamento apropriados. A conscientização dos tutores sobre os sinais clínicos e a busca precoce por atendimento veterinário são essenciais para melhorar os desfechos. Novas pesquisas continuam a avançar na compreensão da fisiopatologia e no desenvolvimento de terapias específicas.


Referências

  • Xenoulis PG, Steiner JM. "Canine and feline pancreatitis: Current concepts." Vet Clin North Am Small Anim Pract. 2015.

  • Forman MA, Marks SL, De Cock HE. "Evaluation of serum feline pancreatic lipase immunoreactivity as a test for pancreatitis in cats." J Vet Intern Med. 2004.

  • Watson P. "Pancreatitis in dogs and cats: definitions and pathophysiology." J Small Anim Pract. 2015.

  • WSAVA Global Nutrition Committee Guidelines.

  • Ettinger SJ, Feldman EC. Textbook of Veterinary Internal Medicine, 8th ed.


Dr. Roque Antônio de Almeida Junior CRMV 23098 😊🐶

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